9.26.2007

Da arte de grudar e desgrudar os olhos

Eu conheci um moleque que grudava os olhos nas coisas. As vezes no meio de um bocado de gente sumia zezinho sem ser notado. De repente lá estava ele com os olhos presos em alguma coisa que ninguém conseguia se aperceber. Diziam que era um olhar perdido , vago. Mas seus olhos não mexiam , sua órbita era fixa, mirava e acertava o que quer que fosse feito uma flecha, sem nenhum desvio. Um olhar enamorado. Enquanto seus amigos de olhinhos agitados beliscavam todas as coisas com a lente objetiva de seus rostos serelepes , zezinho parecia se abraçar, se ancorar a algo com toda a força de seu corpinho. Era como se tivesse se apercessebido de súbito e tivesse medo de seguir a diante sem levar consigo a tal descoberta , se perder do tal farol no quadro seguinte. Ele sentia como se despedindo das coisa a todo instante. o Instante nunca era tempo suficiente. Era com chegar a uma ilha bonita em dia de sol com mar cristalino e não poder ficar nela o suficiente para molhar os pés.

Mas ele nunca soube ao certo expressar o que sentia. O menino de olhos grudados cresceu e a velocidade das coisas deu voltas na sua cabeça. Rodou tanto que muitas vezes seus olhos abertos não davam conta do que via. Ele se apertava todo pra beliscar as coisas com suas lentes grandes e ansiosas como os moleques da sua turminha. Até se dava bem com isso , quer dizer quase ninguém se apercebia. Todos diziam como ele havia crescido, o congratulavam e diziam que zezinho não se parecia mais como o moleque estranho que ficava a ver navios e faróis enquanto a algazarra da turma só respingava gotas nos seus braços pequenos e atarefados.

Algumas vezes porém alguma coisa inesperada acontece e uma espécie de arrepio percore as costas de homem grande de zé até eriçar todos seus cabelos pretos. Uma ancora é arremessada a algum lugar profundo e ele parece perder o controle sobre si. É sempre como se fosse um sobrepasso, como se tivesse sido capturado. Como se não pudesse ir adiante antes de parar. No meio de situações importantes ele já havia sentido isso acontecer e depois de alguns instantes conseguia alguma maneira de descolar os olhos , de desatar o seu corpo e voltar a si. Então, seus olhos se agitavam novamente como um nadador de mar aberto dando pancadas violentas na água que por instantes havia amansado. Só que seu esforço era inútil e a sensação sempre vinha mais forte.Nestas ocasiôes corria para casa certas vezes tão depressa que ao chegar lá nao era raro esquecer o que o tinha levado a tal comportamento.

Um dia foi forçado a parar pra valer. Ficou encrencado mesmo. Os colegas do trabalho o visitavam e pareciam mesmo preocupado. Os médicos davam diagnostico favorável , mas zé sabia que algo estava errado. Na cama por duas semanas, devido a impossibilidade, teve tempo de pensar nas coisas. Muitas vezes se perdeu em meio a eles. Algumas imagens de crianças voltavam a mente. Lembrava da algazarra dos colegas, lembrava de quando contava as linhas que cortavam o seu dedo maior na palma da mão , lembrava de se perder muitas vezes no meio de um lugar desconhecido e sempre encontrar uma luz de farol como uma ilha cheia de aventuras no meio de uma sala de quatro paredes brancas. Lembrava que uma vez já tinha sido seu melhor amigo. E que era enamorado das coisas. Que seus olhos grudavam e não havia meio de descolar, nem com os gritos incessantes da sua mãe a arrancá-lo por sobre as nuvens da tal ilha onde queria molhar os pés puros de moleque de edifício.

Zé prometeu a si mesmo que não ia passar pelas coisas , nem que para isso fosse ficar um pouco estranho novamente . Ia se adaptar. As pessoas demoraram a compreender. Achavam que zé não tinha se recuperado totalmente da enfermidade. Alguns amigos ficavam mesmo espantados quando percebiam que os olhos de zé se fixavam a alguma região que não alcançavam. Comentavam que devia estar doente. Alguns não compreendiam , e se afastavam dele por precisavam de novos amigos que beliscassem as coisas . Um tanto sorridente e momentos depois zé sorria consigo como dizendo .....eles provavelmente não sabem quantas linhas existem nos seus dedões. Uma coisa engraçada e inusitada se passou. Por diversas vezes era observado na rua como se alguém fixasse os olhos nele. Achava aquilo estranho e engraçado. Como se tivesse sido descoberto em alguma traquinagem . algumas senhoras diziam – Olha ..não é o zezinho filho da dona ruth....em que a outra completava .....é, deve ser ele. Engraçado , nao mudou nada diziam em coro-. O menino de barba no rosto sentia a perna bamba e se pegava com um sorriso bobo e desajeitado que demorava a sair, que ele fazia questão de arrastar sem medo de invadir os frames seguintes , de derramar e vazar para os outros momentos. Ele queria viver o seu momento , no seu tempo. Desse dia em diante zé prometeu que sempre que pudesse e quando acontecesse ia tirar a gravata arregaçar desabotoar a fileira de botões da camisa branca , recolher a barra da calça comprida e mergulhar seus corpo crescido nos águas daquela ilha cheia de aventuras. Que não ia mais desviar ou beliscar as coisas. Que ia sempre vazar, atravessar os frames , invadir os momentos seguintes. Que os seus olhinhos iriam grudar de novo nas coisas. Por isso estou aqui mais uma vez ......contando essa historia. Prometi que não vou mais deixar de grudar os olhos em você. Agora deixa eu brincar de pular na água.......