1.10.2007

Júlia

As vezes a vida de solteiro para um alguém que já passou dos vinte e cinco anos pode ser bastante cansativa e entediante. Você nunca sabe para aonde vai sair, e mesmo que saiba, sempre vai ter algum amigo esperto com um programa descolado mudando todos os planos na última hora. Aí quando você começa a gostar de algum lugar já é sinal de que este lugar esta perto de acabar. E, se algum amigo seu te convida para uma festa em sua casa disparando as palavras mágicas: bebida liberada, é a chave para ir a locadora mais próxima e alugar um dvd qualquer, o título não importa. Especialmente se você não bebe, estas festas podem ser assustadoras. Me lembro de uma vez que a moda era a dança do gorila. A gente nunca sabe de onde essas coisas surgem, mas logo se espalham feito epidemia. A dança do gorila era uma espécie de ritual em que um grupo de homens se reuniam em uma roda abraçados, quando o primeiro deles se separava e dava o sinal. Batia forte no peito como um primata. Logo os outros também faziam o mesmo. Depois disso saíam cambaleantes e soltando gemidos roucos até a primeira coitada que pudessem agarrar por trás e pular com ela feito um chipanzé no cio.

Olhando assim pode até parecer engraçado, e se você é uma pessoa com digamos “ um espírito aberto” não vai se incomodar tanto. Não que eu fosse uma criatura introvertida ou algo do tipo. Mas sempre fui alguém que gostava de se dedicar aos outros. Posso dizer que nunca fui o homem das multidões. Gostava de ter uns poucos amigos, uns poucos colegas de trabalho e um ou dois hobbies os quais me dedicava. Não tenho nada contra pessoas, quero deixar claro. Saio de casa regularmente, pratico esportes, vou a shows de música. Só não suporto estar ao lado de um bando de gente que mal se conhece, falando de coisas que ninguém sabe para passar um tempo até que o efeito da bebida te leve ligeiro até o pescoço de alguma menina.

faz dois anos que estamos juntos, quero dizer mais intimamente. Já conhecia julia havia uns cinco anos. A gente era bem próximo, estava sempre junto. Nos comprimentávamos com um pequeno beijo nos lábios, coisa de amigo. Levou algum tempo até que de segurar a sua mão eu pude conhecê-la um pouco mais. Ela gostava quando eu soprava de leve libertando o seu pescoço dos cachos dourados que pendiam até o começo das costas. Gostava também que apertasse as suas bochechas deixando-as rosadas ou quando eu a abraçava por trás trazendo o corpo dela bem próximo do meu.

Desde o momento em que nos conhecemos até o dia em que, posso assim dizer, ..............a nossa união , júlia se mostrou sempre mais atirada. Jamais passava pela minha cabeça que algum dia teríamos um contato mais próximo, como acontece agora. Não posso dizer se ela já imaginava que íamos acabar desse jeito, mas te digo que havia alguma coisa de diferente no seu modo de sorrir. Algum código, alguma melodia escondida endereçada a mim. Hoje eu tenho certeza disso, apesar dela nunca ter tocado nesse assunto. Júlia não é tanto de falar, gosta mais de ouvir. Diz que eu sei sempre tanto, coisas que ela não faz a menor idéia. Na maior parte do tempo eu até gosto de ver os seus olhinhos verdes se revirarem procurando algum sentido para o caminhão de coisas que eu falo. As vezes quando ela esta triste ou aborrecida, fica a enrolar os largos cachos em movimentos circulares olhando para a janela como que hipnotizada por alguma coisa que não sei o que é. Existe algo de fascinante que sempre me cativou em julia. Diferente das outras pessoas que já tinha conhecido ela parecia ter uma inocência ainda preservada, um frescor e uma vontade de viver incomuns. Era estranho mas estar ao seu lado reforçava o meu espírito já um pouco envelhecido, ao mesmo tempo que renovava a minha vitalidade.

Fui o primeiro homem de sua vida. Não que isso signifique alguma coisa e tão pouco gosto de ficar segurando este troféu. Lembro-me que ela estava ainda mais nervosa do que eu e parecendo não saber direito como as coisas funcionavam. Hoje acho engraçado. O modo como ela me apertava no começo e gemia tão alto que me fez ter os maiores cuidados com o seu corpo liso e branco que tremia e aos poucos foi se acalmando e procurando os meus braços para dormir aconchegada. Nunca vou me esquecer disso. Tão logo terminamos você dormiu o sono mais pesado que já pude presenciar.

No decorrer destes dois anos o nosso jogo sexual se tornou mais intenso. Júlia passou a relaxar mais e a deixar as coisas acontecerem sem antecipação. Ela também passou a se dedicar mais a mim, ficando boa parte do seu tempo a meu lado. Éramos posso assim dizer muito unidos. Gostava sobretudo da forma com que júlia cativava as pessoas e logo se tornava o centro das atenções onde quer que fosse. Quando estávamos a sós no quarto, era o momento em que podia experimentá-la, podia gozar de seu prazer único, tocar aquele corpo como se estivesse explorando uma montanha gelada, para do alto fincar uma bandeira como quem diz ......meu!


Se alguma vez disser que tive vontade de estar com uma outra pessoa vou mentir. Experimentei com júlia uma sensação de preenchimento que não conhecia. É como se tudo bastasse. Os outros programas, as outras pessoas se tornaram banais, triviais. Havia sempre uma vontade de largar qualquer coisa que eu estivesse fazendo para correr até aqueles cachos dourados e segurar o corpo macio de julia até não poder mais.Os amigos ficaram receosos, depois de um tempo os que ainda sobravam compreenderam e não se importavam com a minha falta de tempo. Mas tentava me equilibrar na medida do possível para agradar a uns e a outros. Por mais difícil que fosse e por mais injusto que podia parecer o resultado disso.

Tudo vinha acontecendo como cabe a qualquer união entre duas pessoas no espaço de dois anos. Foi quando recebi a notícia, por familiares, que ela ia ter de viajar para morar com um tio distante, nos eua, alegando que terminando os estudos por lá, as chances de conseguir um bom emprego seriam muito maiores. Cheguei a conversar com júlia sobre isso. Ela parecia ainda confusa e não me passou certeza da sua decisão, muito embora as passagens já estivessem compradas e ela fosse embarcar dali a duas semanas. Sei que os seus olhos estavam confessando uma certa culpa por estar agindo desta forma, e um grande medo de encarar-me de frente. Não investiguei a fundo mas sei que estava também com raiva da decisão e pressão familiares.

Júlia nunca chegou a tomar aquele avião o que me deixa de certa forma extremamente aliviado. Posso dizer quase com certeza, dada a proximidade da minha ligação com ela, que os acontecimentos que seguiram foram por ela também endossados. Na véspera do seu embarque tive com júlia para ainda tentar dissuadí-la desta decisão, a meu ver, equivocada. Vou pular a parte em que nossos corpos suados trocaram carícias intimas nem o fato de naquela noite ela ter se entregado a mim como nunca antes havia feito. Depois do sexo júlia ficou muda por um longo período com um olhar cabisbaixo e interrogativo direcionado para o lado da cama em que eu estava. Apesar dela não ter aberto a boca para dizer uma só palavra sabia com uma espantosa clareza o que queria dizer. Estávamos juntos há dois anos e, era capaz de soletrar um alfabeto inteiro para cada expressão que ela modificava. Depois de me revirar por aquele quarto observando seus olhos atônitos parei por um momento, dei um longo e apaixonado beijo em júlia e prometi para mim mesmo que as coisas não ficariam deste jeito. Já tinha tudo elaborado, bastava que júlia me ouvisse atentamente e confiasse em mim que tudo ia acabar bem. Depois de dizer o que ia fazer ela me olhou de forma complacente e balançou a cabeça afirmativamente para tudo o que eu havia explicado antes. Prometi a ela que tudo ia se resolver rápido e que ficaríamos juntos.

Júlia cedeu o seu corpo magro e branco a mim como naqueles exercícios de mulheres grávidas que se atiram de costas aos seus maridos para atestar a sua confiança neles. Não houve um instante de hesitação. Tudo aconteceu como previra. Segurei as suas costas da maneira mais firme e afetuosa que encontrei e dei um leve beijo em sua nuca antes do seu pescoço girar cento e oitenta graus de um lato a outro e finalmente desabar o topo da sua cabeça procurando o solo. Chupei a única lágrima que desceu do meu olho direito não escondendo um sorriso de contentamento que brotava na minha face. Dormimos juntos naquela noite.

Uma semana depois meu pai já havia mobilizado toda a força policial da região na procura da menina que tinha sumido misteriosamente um dia antes do seu embarque para os eua. Por ser sua filha mais nova, ele estava moído e posso afirmar com certeza que o velho tava mesmo muito mal. Não sei se ia se recuperar dessa. Minha mãe, os vizinhos e pessoas que não conhecíamos mandavam mensagens de esperança e solidariedade, mantendo sua fé na aparição da menina júlia. Na sua classe, a segunda série do primeiro grau, a professora botou uma foto de júlia num altar construído de forma apressada com mensagens de apoio. Toda a cidade empregou esforços numa busca desesperada da menina de sete anos que sumira sem deixar pistas.

Toda esta comoção me deixava muito contente e seguro de ter feito a coisa certa. Era estimulante ver como júlia era querida. Eu me tornava mais privilegiado, me distinguindo dos demais por ter conhecido e desfrutado dela de uma forma única que ninguém nunca poderia superar. Um ano mais tarde meus pais decidiram vender a casa e deixar a cidade para apagar as lembranças que a todo momento os torturavam. Disse para eles que ficaria morando lá mesmo, como uma forma de homenagear Júlia. Preservaria seu quarto infantil intacto como uma lembrança de sua inocência e cuidaria para as buscas não se interrompessem.

Três anos depois que tudo aconteceu sou o único da família que se mantém em contato com as autoridades para receber alguma informação sobre o caso Júlia. Nada de conclusivo chegou a ser afirmado e as autoridades seguem sem pistas que indiquem o que possa ter acontecido. Posso dizer que toda esta mobilização me traz um gozo especial, um presente deixado por júlia, como um segredo partilhado entre ambos, tornando a nossa união ainda mais especial. Recentemente reformei a casa no que nossos pais não se opuseram. Quebrei algumas paredes e aumentei o meu quarto unindo-o ao de júlia. Prometi manter a decoração do lado do quarto dela intacta. Meus pais não acharam nada estranho pois sabiam que éramos mesmo muito ligados. Ao refazer as paredes do quarto, agora ampliado, cuidei para que o corpo de júlia fosse coberto de cimento na parede junto a nossa cama. Fiz a obra toda sozinho e numa velocidade que até me impressionou. A cada dia que passa me sinto melhor e tenho mais certeza daquilo que fiz. Sei que seremos felizes e que isto vai ser um segredo só nosso, meu e de júlia para sempre.


21 out 1999.

9 Comentários:

Às 11/1/07 11:59 , Anonymous Anônimo disse...

muito, muito bom! Tem que inscrever este texto em algum concurso!! amor e perversão. amor e doença. Cai!

 
Às 11/1/07 19:06 , Anonymous Anônimo disse...

Maravilhoso!
Como tantos outros que já li aqui.

 
Às 18/1/07 14:51 , Blogger Wanderley Garcia disse...

Reconhecemos o bom texto qdo sentimos aquela ponta de inveja: gostaria de ter escrito isso. Agradeço a Ciça pela indicação.

Dê uma olhada em http://proncovo.blogspot.com

 
Às 18/1/07 15:40 , Anonymous Anônimo disse...

Meu deus garoto você é um pervertido!!!
Mas gostei do texto viu.
Beijocas!

 
Às 19/1/07 01:05 , Blogger João Lacerda disse...

Num podia ter 17 anos... sete é meio barra... hahaha

Maneiro e supreendente...

abs

 
Às 19/1/07 02:27 , Anonymous Anônimo disse...

VÁRIOS PULINHOS! Me sinto em um show de punk rock!

 
Às 21/1/07 03:04 , Anonymous Anônimo disse...

para ser um bom escritor não é necessário apenas saber contar bem uma história, é preciso também trabalhar sobre a expressão, esculpir o texto como se as palavras fossem uma massa de modelar.

você consegue manter a curiosidade do leitor. isso é bom, mas os jornalistas também sabem fazer.

quanto ao desfecho da história, Edgar Allan Poe já fez isso brilhantemente (O Gato Preto, O Coração Denunciador, etc).

ou seja: como já disse um escritor: o trabalho literário é 10% de inspiração e 90% de transpiração.

boa sorte

 
Às 25/10/08 02:30 , Blogger Michelle Oliveira disse...

Este comentário foi removido pelo autor.

 
Às 25/10/08 02:30 , Blogger Michelle Oliveira disse...

"Simples assim. Se não der certo, não deu. Faz parte da vida. Mas eu não preciso comer o pacote inteiro de negresco pra saber que um bono de chocolate me satisfaz."

Vc sabe que vamos ficar juntos, né? Eu sei que sabe. Agora que estou de férias (crise mundial), vou pegar um Sol e depois eu volto.

Beijocas!

 

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