5.25.2006

memorias

As vezes eu me imagino em uma praia sabe? Não uma praia em específico. Nada de - foi aqui que tomei o primeiro caldo e perdi o fôlego pela primeira vez, ou foi aqui que vi que o meu corpo branco e magro de moleque não fazia sucesso com as meninas. Outras vezes eu estou correndo em direção a uma bola arremessada na minha direção. Não consigo enxergar direito quem esta executando o lançamento. Tudo o que sei é que a maldita bola parece vir na minha direção e não existe nada que eu possa fazer. Então eu junto as duas mãos bem forte e simulo uma rebatida, gloriosa, daquelas que botam um estádio abaixo. Por instantes ouço meu nome sendo gritado e perco o contato com o solo. Logo são dezenas de pessoas que me fazem caminhar deitado por sobre seus ombros.

Nestes instantes a gente parece poder levantar a um elefante. Porque quem se sente radiante, em estado de euforia, parece pesar como uma pluma. A felicidade é o maior emagrecedor que existe. O diabo é que deve ser cara , e quase nunca a gente tem o suficiente para pagar.Aí, ela vai embora e a gente fica a enfiar qualquer coisa que encontre pela frente para fechar o buraco que permanece. Tenho um amigo que começou a tomar remédios outro dia. Disse que é para se sentir melhor. Porque havia um bando de tempo que se sentia como um inseto que buzina o ouvido da gente numa noite de sono confortável. Se sentia um incômodo, uma sobra, um excedente. Até já estava se acostumando a isso. Mas sabia que dali a pouco ia começar a se sentir um peso morto, E, a falta de energia é pior do que qualquer espécie delas. Pensei nisso quando visitei meu avô da última vez que ficou doente. Ele tava bastante encrencado. Era tanto fio ligado ao corpo heróico de ex-militar e combatente que fora, que me lembrava as antigas centrais telefônicas. Aquelas em que voçê pedia para falar com o seu primo na cidade vizinha, e podia acabar falando com o Ministro das finanças, ou com o serviço das putas. As vezes até pensava que elas tinha um um acordo com eles. Pode ser. Ao menos era divertido.

Então eu ficava olhando aquelas linhas que subiam e desciam do aparelho sem entender direito. Diziam que marcava o ritmo das batidas do coração do meu avô. Todos tinham pena de ver o velho ali com um avental branco surrado, com manchas por toda a parte e o corpo perfurado, não de balas, mas de fios e canos. Talvez ele preferisse as balas. Era mais heróico, mais incrível, trazia respeito. Prova do triunfo do homem, ao menos de um deles, sobre o inimigo maior. E, aposto que ele as exibiria com alegria. E cheio de causos naturalmente. Porque se os disparos tivessem chegado de um só homem, prontamente ele inventaria um caso fabuloso explicando como sobreviveu a uma emboscada, com soldados tocaiados. Falaria de modo tão esplendoroso que a gente ia até pensar que tinha um ultimo soldado, este o mais traiçoeiro deles, escondido no bolso de seu uniforme. Quando fico olhando aquelas linhas que sobem e descem fico pensando no meu avô. E, em como a vida dele sempre foi essa distancia entre estas duas linhas que agora bailam anunciando um canto fúnebre.

Depois de mais de dois meses o velho finalmente voltou para casa. Parecia ter vindo mesmo da guerra. Em vez de uma medalha pendurada no peito, tinha um coração novo, mecânico. Agora era meio homem, meio lata. Pode ser outra combinação qualquer , depende do quanto você dá por aquela flor de copas vermelha que a gente aprende a desenhar de um modo figurado no primário.Ele tinha os olhos ainda fundos, a cara meio amassada ainda amarelada, como uma pancada que já tinha ficado roxa e ia se recuperando aos poucos.Pesava a cabeça sobre o corpo ressentindo o contato com o solo. Ele dizia- O corpo da gente custa a se acostumar com uma coisa e quando isso acontece ,e a gente perde de novo, ele estranha tudo novamente. Ele falava um bando de coisa que eu não entendia na época. Mas sempre achava aquilo tudo muito bonito. Tinha um pouco de vergonha de dizer que não compreendia, e pior, que naquele tempo não fazia o menor esforço para seguir o ritmo desesperado de seus pensamentos, de sua filosofia. Acabava sendo sempre igual. Eu na estação de trem dando adeus ao meu avô que ia em seu costumeiro passeio em trem bala sem que saísse do meu lado.



Depois disso, mais crescido, tive a oportunidade de visitar outras batalhas , outros soldados que não ganhavam medalhas, mas marcas em seu corpo, feitas pelo inimigo maior. Em todos eles aquelas linhas vermelhas, que cintilavam como as de meu avô, estavam presentes. Sempre dançando e trançando umas nas outras, como em uma dança típica dos povos alemães que vi uma vez em uma cidade de imigrantes. Mesmo depois de crescido e já decorrido um bom tempo depois da última batalha de meu avô, não conseguia me desgrudar da visão de seu corpo estirado naquele leito , cheio de tentáculo. E, talvez seja exatamente por ele que toda a vez que observo aquele aparelho sinto uma mistura de apreensão e euforia. De repente , aquelas linhas me traziam a lembrança de sua última batalha, dos vários sujeitos tocaiados, da forma como ele tinha derrotado o inimigo maior e tudo. Ou talvez me carregassem de volta para a estação de trem em que eu ficava balançando os braços desajeitadamente vendo ele sentar no rabo do foguete dos seus devaneios. Outras vezes, como agora, eu me pergunto o que estas duas linhas vermelhas significam para você. É, você mesmo!. Porque sei que não fui o único a contemplá-las nos anos que passaram. E fico pensando se é preciso que tenham conhecido o meu avô e suas histórias para saber o que representam. Uma vez um médico rindo dos meus comentários de menino disse para mim que as linhas deveriam mesmo dançar. E que assim deveriam ficar a todo custo, para o bem do meu avô. Foi nessa hora que eu tive uma visão, um deslumbre. Tinha entendido tudo. Tinha finalmente embarcado naquele trem. Afinal, era tudo tão simples. Lá estava eu parado em pé, em frente ao monitor pulsante, pessoas ao redor , os médicos, o corpo do meu avô, quando eu simplesmente desabo. Sem o menor aviso sequer, tombo ao chão. Para minha surpresa, nenhum espanto, nenhuma reação, ou surpresa quando eu me levantei e sacudi a areia dos meus bolsos, agitando as mãos com violência perto da arrebentação.







Mas não se preocupe. Eu garanto que dessa vez eu pego a redonda e vão estar todos lá, meu avô, os médicos, meus amigos e voçê a me carregar por sobre os ombros mais uma vez. Voçê duvida?

14 Comentários:

Às 25/5/06 22:17 , Anonymous Anônimo disse...

Agora eu conheço seu avô ;-)

 
Às 26/5/06 09:40 , Anonymous Anônimo disse...

Muito bom Rodrigo! Gostei bastante do seu blog! Muito interessante a história e bem conduzida! Abraços!

 
Às 29/5/06 21:32 , Anonymous Anônimo disse...

Memórias?
Não são só memórias!
São fantasmas.

 
Às 29/5/06 22:09 , Anonymous Anônimo disse...

E eu acho que eu gosto mesmo de você
Bem do jeito que você é!
Eu QUERO equalizar você

 
Às 29/5/06 22:10 , Anonymous Anônimo disse...

MULHERADA FOLGADA... :oD

 
Às 30/5/06 01:05 , Anonymous Anônimo disse...

Ninguém sabe as respostas
Entao porque perguntar?
Amantes em silêncio
Estradas sem saida
Poetas sem palavras
Em busca do tempo perdido em mim

 
Às 9/6/06 01:06 , Anonymous Anônimo disse...

UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO UNO

 
Às 9/6/06 18:02 , Anonymous Anônimo disse...

...queria ter esse folêgo de palavras. Devo estar fora de forma, às vezes me canso, paro um pouquinho e recomço. Gostei do fluxo de pensamento, liberdade!
RAMON MELLO

 
Às 14/6/06 14:28 , Anonymous Anônimo disse...

voçe não é com ç...

você!!!!!!!!!!!

 
Às 15/6/06 21:40 , Anonymous Anônimo disse...

Ihhh... um comentário anônimo de quem só leu a última linha do texto.

 
Às 22/6/06 15:14 , Anonymous Anônimo disse...

a fonte secou???

 
Às 22/6/06 15:16 , Anonymous Anônimo disse...

...pq eu estou secando. BRASILLL!!! Continue torcendo.

 
Às 22/6/06 18:19 , Anonymous Anônimo disse...

PUTA QUE O PARÉU!!!

...putz, o Jiraya deve tá triste...o Zico sem emprego...

mas voltando ao seu texto:

PUTA QUE O PARÉU!!!

 
Às 30/6/06 09:02 , Anonymous Anônimo disse...

gostei do texto...as duas linhas vermelhas são a da euforia e a da tristeza? bjos

 

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